sábado, abril 27, 2013


(...) Rosa é a flor feminina que se dá toda e tanto que para ela só resta a alegria de se ter dado. Seu perfume é mistério doido. Quando profundamente aspirada toca no fundo íntimo do coração e deixa o corpo inteiro perfumado. O modo de ela se abrir em mulher é belíssimo. As pétalas têm gosto bom na boca – é só experimentar. Mas a rosa não é it. É ela. As encarnadas são de grande sensualidade. As brancas são a paz de Deus. É muito raro encontrar na casa de flores rosas brancas. As amarelas são de uma alarme alegre. As cor-de-rosa em geral mais carnudas e têm a cor por excelência. As alaranjadas são produto de enxerto e são sexualmente atraentes.

Preste atenção e é um favor: estou convidando você para mudar-se para reino novo.
Já o cravo tem uma agressividade quem vem da irritação. São ásperas e arrebitadas as pontas das suas pétalas. O perfume do cravo é de algum modo mortal. Os cravos vermelhos berram em violenta beleza. Os brancos lembram um pequeno caixão de criança defunta: o cheiro então se torna pungente e a gente desvia a cabeça para o lado com o horror. Como transplantar o cravo para a tela?

O girassol é o grande filho do sol. Tanto que sabe virar sua enorme corola para o lado de quem o criou. Não importa se é pai ou mãe. Não sei. Será que o girassol flor feminina ou masculina? Acho que masculina.

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.

A sempre-viva é sempre morta. Sua secura tende à eternidade. O nome em grego que dizer: sol de ouro.

A margarida é florzinha alegre. É simples e à tona da pele. Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil.

A formosa orquídea é exquise e antipática. Não é espontânea. Requer redoma. Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar. Também não se pode negar que é nobre porque é epífita. Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição. Estava mentindo quando disse que era antipática. Adoro orquídeas. Já nascem artificiais, já nascem arte.

Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.

Flor de trigais só dá no meio do trigo. Na sua humildade tem a ousadia de aparecer em diversas formas e cores. A flor do trigal é bíblica. Nos presépios da Espanha não se separa dos ramos de trigo. É um pequeno coração batendo.

Mas angélica é perigosa. Tem perfume de capela. Traz êxtase. Lembra hóstia. Muitos têm vontade de comê-la e encher a boca com o intenso cheiro sagrado.

O jasmim é dos namorados. Dá vontade de pôr reticências agora. Eles andam de mãos dadas, balançando os braços, e se dão beijos suaves ao quase som odorante do jasmim.
Estrelícia é masculina por excelência. Tem uma agressividade de amor e de sadio orgulho.
Parece ter a crista de galo e o seu canto. Só não se espera pela aurora. A violência de tua beleza.


Dama-da-noite tem perfume de lua cheia. É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo. Só sai de noite com seu cheiro tonteador. Dama-da-noite é silente. E também da esquina deserta e em trevas dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas. É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém agüenta. Mas eu agüento porque amo o perigo.

Quanto à suculenta flor de cactus, é grande e cheirosa e de cor brilhante. É a vingança sumarenta que faz a planta desértica. É o esplendor nascendo da esterilidade despótica.
Estou com preguiça de falar da edelvais. É que se encontra à altura de três mil e quatrocentos metros de altitude. É branca e lanosa. Raramente alcançável: é a aspiração.
Gerânio é flor de canteiro de janela. Encontra-se em São Paulo, no bairro do Grajaú e na Suiça.

Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Enorme e até quase dois metros de diâmetro. Aquáticas, é de se morrer delas. Elas são o amazônico: o dinossauro das flores. Espalham grande tranqüilidade. A um tempo majestosas e simples. Apesar de viverem no nível das águas elas dão sombras. Isto que estou te escrevendo é em latim: de natura florum. Depois te mostrarei o meu estudo já transformado em desenho linear.
O crisântemo é de alegria profunda. Fala através da cor e do despenteado. É flor que descabeladamente controla a própria selvageria. (...)

Clarice Lispector

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